quinta-feira, 26 de abril de 2012

Cotas por um pardo.

Hoje, o Supremo Tribunal Federal julgou constitucional o sistema de ações afirmativas que institui cotas para pessoas negras em universidades da rede pública.

Bom, o tema é sensível, as opiniões de ambos os lados são fortes - seja sob o aspecto jurídico, ou sob o aspecto sociológio, histórico e antropológico - e há sangue nos olhos de todo mundo (especialmente do índio Araju Sepete Guarani).

Independente de ser a favor ou contra, acho que cabe uma reflexão de todos nós sobre o teor desse debate.

Há tempos atrás, na minha época de vestibular, eu era sumariamente contra as cotas. Aquilo, para mim, era um absurdo, um desserviço à sociedade, um autoritarismo enorme, uma injustiça ~ comigo ~ com os negros, que são plenamente capazes de ingressar em uma universidade pública!

No entanto, li há alguns meses um texto do William Douglas, juiz federal na cidade de Niterói, mais conhecido por palestras motivacionais à respeito de como passar em concursos, mas não por isso menos qualificado ou menos consciente da realidade em que vivemos.

Resumidamente, o William Douglas, assim como eu, era contra cotas raciais, mas, através de sua experiência dando palestras em um pré-vestibular voltado para adolescentes negros, se deparou com uma realidade: "se ser pobre é um problema, ser pobre e negro é um problema maior ainda".


Ou seja, em que pese todas as conquistas da democracia instituida com a Constituição em 1988 e todos os direitos fundamentais nela consubstanciados, ainda assim, na experiência do magistrado, existem profundas diferenças, que o fizeram mudar de ideia, para passar a apoiar as ações afirmativas. E, sejamos francos: não precisa dar aula em um vestibular destinado a meninos e meninas negros para saber que até hoje há uma identificação entre os binômios "classe média/alta-branco" e "pobre-preto". Isso não é uma questão de ideologia, de empirismo. Não precisa nenhum esforço mental muito grande para se chegar a essa conclusão sobre a REALIDADE. Claro que a realidade comporta exceções, mas não se pode enxergar o mundo por elas, principalmente quando as exceções é que são para o bem.

O que quero dizer com isso não é que eu passei, assim como o William Douglas, a ser a favor das cotas. Quero dizer que essa discussão não pode ser baseada numa dialética do "a favor X contra". Essa discussão vai muito mais além do que argumentos, do que políticas ~ eleitoreiras ~ públicas ou qualquer outro critério cujo centro não seja privilegiar a vida das pessoas. Todo brasileiro, branco, pardo, índio, preto, gay, heterossexual, crente, ateu, tem direito de buscar a sua felicidade e de ter condições de igualdade para escolher o caminho que quiser para o seu futuro. E a realidade é que muitos brasileiros, brancos e negros, mas principalmente negros, não têm essa escolha. Para esses, resta a possibilidade de viverem suas vidas fazendo o papel que a sociedade deu a eles (afinal, quem vai ser o servente, a doméstica, o gari, não é?) ou, ao contrário, fazerem de suas vidas quase que uma lenda de um herói grego, que desbravou mundos e sub-mundos para "vencer".

E, seja lá o que for vencer na vida, todos deveriam ter a mesma oportunidade para isso.

Não sei ainda no que eu acredito a esse respeito, só sei que, a favor ou contra, importa muito menos a qualidade da minha argumentação, e muito mais a destinação dela.

Diego

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