“Porque a ardente expectação da criatura espera a manifestação dos filhos de Deus.” (Romanos 8:19)
A primeira pergunta que vem à mente da maioria das pessoas quando alguma tragédia de dimensões fatoriais acontece é: “Onde está Deus nisso tudo?” E a resposta para essa pergunta, por vezes, fica engasgada. Exemplo não muito distante foram os recentes acontecimentos no Haiti.
Questionar a bondade de Deus em situações nas quais os seres humanos se lembram de sua vulnerabilidade diante da grandeza da criação é um prato cheio pra quem busca subterfúgios capazes de justificar uma falta de fé, de esperança. Talvez essa selvagem busca por uma resposta inteligível à razão dificulte um pouco o trabalho de quem anda na contramão, reconhecendo sua pequenez diante de um Deus tão grandioso, capaz de permitir tamanha tragédia, mais capaz ainda de amar como nenhum pai antes amou...
Essa aparente contradição, no entanto, revela uma verdade que vai além da nossa noção maniqueísta de “bom” e “mau”: Deus é Soberano sobre todas as coisas e nada acontece sem que Ele esteja no controle. É como na constatação de Davi no Salmo 19:
“Os céus declaram a glória de Deus e o firmamento anuncia a obra das suas mãos.”
Disso podemos ter uma certeza: nada acontece sem que a Soberania de Deus seja por ele exercida. Não se pode admitir um Deus que tem poder de dizer “haja luz” e que ao mesmo tempo seja incapaz de trocar uma lâmpada. Não é razoável acreditar num Deus que fez o mar e tudo o que nele há, mas que não tenha poder de dizer às ondas: “acalmem-se”. Sim, pode parecer contraditório pensar que Deus permita esse tipo de coisa, afinal, ele nos ama e nos quer bem; porém, há algo além da visão de um Deus justiceiro, que retribui os humanos pelos seus pecados e desatinos.
Graça. Essa palavra, tão banalizada pelo uso cotidiano, tão profanada pela visão pelagiana de merecimento, pela valorização do “faça você mesmo” é a chave para o conhecimento de quem Deus é e do que ele fez por nós. É essa graça que faz com que um pai receba com festa aquele filho que o desonrou. É essa graça que faz com que Cristo nos substitua em nossa morte e, quanto mais, em nossa vida. É essa graça que está ao lado dos haitianos não só agora, como em toda a história. É essa graça que fez com que ele tivesse misericórdia de um menino que ficou preso nos destroços durante oito dias e, ao sair, levantou os braços e abriu um largo sorriso para comemorar sua sobrevivência. É pela graça que o Criador chora - como nenhum de nós, negligentes que somos – a destruição desse povo.
Ao olhar para tamanha mobilização e compaixão coletiva numa ocasião dessas, fico a me perguntar: “será que Deus, assim como nós, também só lembrou do povo haitiano no mês passado?” Ou será que os seres humanos, incluídos aí ateus e cristãos, provam mais uma vez um caráter hipócrita inato? Achamos fácil ter pena de um povo destruído depois de uma tragédia, mas nunca movemos uma palha para que a situação do Haiti, reconhecidamente um país devastado pelo caos social, tivesse esperança. O jargão criado pela imprensa internacional nos últimos dias expressa bem o que quero dizer: “hope for Haiti now”. Em português, “esperança para o Haiti agora”. Realmente só nos lembramos do Haiti agora, mas o Deus de graça amou esse povo muito antes da nossa compaixão hipócrita, muito antes do terremoto.
Em desolação tamanha, fica bem conveniente aos cristãos assumirem um discurso como o de Pat Robertson, que declarou serem os terremotos um “castigo de Deus ao Haiti, por ter feito pacto com o diabo para se livrar da dominação francesa.” Tal afirmação é conveniente, pois encobre uma falha, uma omissão, que impediu que o povo haitiano conhecesse o amor de Cristo, refletido em condições de vida decentes. Nesse sentido, o comentário de Bráulia Ribeiro, evangelista brasileira, caiu como uma luva: “a maior maldição do povo haitiano não é o terremoto em si, mas sim a falta de preparo para lidar com uma tragédia desse porte.” Onde, então, estavam os cristãos, que sabiam a tempos da situação do povo haitiano e não deram o suporte necessário a eles? Gasta-se milhões em espetáculos “gospel”, em aviões particulares de pastores, em “super” templos, equipados com o que há de melhor. Líderes cristãos ostentando e vivendo como verdadeiros príncipes se afastam completamente do caráter de Jesus, que deixou como um dos principais legados um estilo de vida que tinha como essência o serviço.
Onde está Deus nisso tudo? Está reclinado em nossos ombros, esperando nossas orações pelos aflitos. Está de pé, arrumado, na porta da sala, esperando levantarmos dos nossos sofás em um rompante para fazer algo. Está lá embaixo, esperando que saiamos do alto da nossa comodidade. Está aqui, dentro de nós, esperando a nossa atitude que mostre um pouco Dele pra essa gente. Podemos ver seu amor em todo lugar, até nos terremotos...
"I see you in the storm, I see you in a kiss
I’ve been around the world and never found a love like this"
“Te vejo numa tempestade, te vejo em um beijo
Já estive pelo mundo todo e nunca achei um amor como esse”
(Delirious?)
I’ve been around the world and never found a love like this"
“Te vejo numa tempestade, te vejo em um beijo
Já estive pelo mundo todo e nunca achei um amor como esse”
(Delirious?)
3 perspectiva(s):
Meu irmão, poderia dizer, meu filho! Quero dizer que o seu texto sobre o Haiti foi de uma lucidez IMPRESSIONANTE. Eu não diria apenas impressionante, mas de uma identificação com o que eu creio que me fez sonhar novamente... Sabe, Diego, somos de gerações subsequentes, e eu acho, sinceramente, que a minha geração já era. Digo, ela não verá grandes mudanças porque se vendeu ao capitalismo gospel. Mas este é um outro papo... Quanto ao texto, amado, Bráulia é o que há de melhor na Ultimato e na vida da Igreja no Brasil. Guerreira, jocumeira e mulher! Como a sua amada mãe, querida! Pat Robertson, lamentável comentário muito bem explicitado por você e pelo Veríssimo nO Globo... Pelágio, maniqueísmo,... profundidade e clareza. Coisa linda! Espetáculos gospel... clareza, filhão, voz profética, maravilha. Teve mais, mas paro por aqui. Obrigado, de coração. Vou dormir melhor esta noite! (*) agora é que estou me inteirando melhor de blogs - voltarei mais vezes! Beijo! rsrs
Márcio, querido!
Que bom ouvir esses comentários! Me incentivam a continuar escrevendo, a continuar 'sonhando'. Minha esperança é, realmente, que minha geração não seja estereotipada (como vem justamente sendo) como a "geração do sofá". Espero que nossas ideias, nossas esperanças, sejam postas em prática e não fiquem apenas em teorias e devaneios sem fim.
Saudades grandes de vocês!
Grande abraço
Querido Diego,
Na época do terremoto me lembro que me encontrava em verdadeiro desespero, pois 2 grandes amigos meus estavam lá durante os 7 meses anteriores e voltariam durante aquela semana, até que ocorreu a desgraça que os impediu de voltarem no dia previsto.
No entanto, a notícia de que eles estavam bem demorou para chegar... Me lembro que cada segundo parecia uma eternidade e que fiquei 3 dias e noites sem dormir e praticamente sem comer, nem beber nada sentanda em frente ao computador e com celular na mão. Me lembro também que a única coisa q eu conseguia fazer com frequência era chorar e sentir um ernorme aperto no peito.
Posso te dizer de todo coração que fui uma das milhões de pessoas que se perguntaram "Por que, meu Deus?". Por alguns momentos me senti vazia, desamparada, como se não houvesse para onde fugir.
Por outro lado, também digo a você que, passados esses maus sentimentos, se nao fosse a fé, a esperança e o amor que eu tenho e acredito no meu Pai, que foram crescendo a cada minuto daqueles dias, eu nao teria aguentado.
Me emocionei muito lendo teu texto agora apesar de tempo ja passado desde o terremoto.
Você soube explicar de forma clara e pura os sentimentos que aparecem nessa horas e a escolhas que as pessoas que passaram por aquilo tiveram que fazer.
Obrigada pelas tuas palavras.
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